22 de mai. de 2010

Em 1937 foi construído na praia de Icaraí, na cidade de Niterói (RJ), um trampolim que imitava um pássaro de asas abertas. Uma estrutura de concreto armado edificada na primeira década de arquitetura moderna no Brasil. Durante vinte anos o trampolim de Icaraí integrou aquele cenário, povoando o imaginário de diferentes gerações. Eu mesma não o vi pessoalmente (foi destruído em 1964, por má conservação), mas por meio de fotografias e contos de família o trampolim pertence à minha infância e imaginação.

Inspirado nessa obra – que para mim foi a primeira imagem próxima ao que hoje entendo como intervenção urbana –, o projeto Sentido Niterói tomou forma e conceito. Artistas intervindo na paisagem da cidade e construindo momentos. Ações de curta duração, idealizadas para seus respectivos espaços públicos e que tiveram como ponto comum o enfoque na potência visual e natural de cada lugar. Trabalhos que se faziam perceber ao mesmo tempo em que se tornavam parte de um todo. Silenciosos, divertidos e inusitados, todos pareciam pertencer àqueles ambientes específicos e nada seria mais fiel às obras do que deixá-las existir apenas naqueles instantes. Como apresentar em uma galeria um trabalho concebido para o espaço público? Como não perder a verdade do trabalho nessa transposição de espaço? Como conseguir que o trabalho na galeria se sustente por si só? E, principalmente, como não realizar apenas uma exposição de registros do que já aconteceu?

Pensando nessas questões, propôs-se aos artistas uma parceria de trabalho: suas intervenções seriam documentadas por fotógrafos profissionais que também atuam como artistas visuais, e que teriam liberdade e autonomia em seus registros. As colaborações se deram de diferentes maneiras, umas mais intensas e outras mais pontuais, e o resultado poderá ser visto neste catálogo e na exposição para a galeria do Sesc de Niterói.

Foram quatro intervenções públicas em lugares que integravam a programação do Sesc de Niterói, organizada por ocasião do aniversário da cidade, e selecionados de acordo com cada artista. O Terminal Rodoviário João Goulart, no centro de Niterói, possui o mesmo caos ordenado presente nas ações propostas pelo coletivo La Rica, e a partir dessa simbiose o trabalho foi realizado dentro de um ônibus e no interior do Terminal, com projeção de vídeo e muita música. As belas fotografias em p&b de Brenda Moraes evidenciam o envolvimento da fotógrafa na ação do coletivo e o êxtase de toda aquela situação.

A singularidade do bairro de Jurujuba, com sua colônia de pescadores, pareceu ideal para as pesquisas em áudio elaboradas por Bruno Jacomino, e assim foi, exatamente: uma estrutura de madeira serviu como mirante, de onde se podia apreciar a paisagem através do som e do silêncio. A parceria com Rafael Adorján desde o início foi encarada como uma oportunidade de novos trabalhos. Juntos, eles pesquisaram o local e seus frequentadores praianos para que esse momento anterior à intervenção também fizesse parte da mostra.

O clima bucólico do Campo de São Bento, em pleno coração do bairro de Icaraí, há tempos já era o cenário perfeito para o trabalho de Bob N – um remake da pintura de Rugendas – e aqui, com a parceria de Moisés Alcuña – não só no registro em vídeo, mas também na autoria da obra –, a pintura viva tornou-se roda de capoeira e de samba. Rugendas Reloaded foi um trabalho pensado para ser vídeo e assim será apresentado na exposição.

Por fim, a artista Gabriela Mureb, que vem trabalhando com performances e intervenções em plantas, ocupou o jardim da Praça de São Domingos, no bairro de mesmo nome, fazendo daquele ambiente seu local de experiências. O registro de Joana Cseko privilegiou detalhes e sutilezas da ação, pontuando a beleza e a fragilidade do trabalho.

Sentido Niterói é um projeto que comemora o aniversário de Niterói. As intervenções até que poderiam ter sido feitas para outra cidade ou país – não levaram em conta questões sociais ou políticas específicas desse contexto –, porém foram trabalhos cuidadosos em evidenciar os adjetivos locais e práticas relacionais pertencentes a ambientes comuns como praças, praias e lugares de trânsito. Não se trata de um projeto sobre a cidade de Niterói e sim para uma cidade. Um estudo de espaço, linguagem e comunicação que, por aqui, já se faz presente há mais de setenta anos.

Beatriz Lemos